2024/03/16

Prefácio à primeira edição de “Prolegômenos à filosofia da matemática”.


Prefácio à primeira edição de “Prolegômenos à filosofia da matemática”.

Curitiba: Carlos Magno Corrêa Dias, 2010.
ISBN 978-85-88925-08-3.


Sendo necessário definir (ou antes, caracterizar) qual é, efetivamente, a atividade intelectual desempenhada pelos matemáticos na atualidade, muito certamente, encontrar-se-iam sérias dificuldades. Contudo, da tentativa de se estabelecer a definição em referência, resultaria, como consequência, a evidência que muito daquilo que se refere à concepção de matemática deriva, em boa parte, das ideias centradas nos conceitos de número, grandeza e forma. Todavia, é pertinente ressaltar que todas as tentativas de se definir a matemática têm um ponto em comum: a imprecisão (e o notório juízo de valor).

Em um passado não muito distante e durante muito tempo considerou-se a matemática como a ciência do número e da forma ou como a ciência do número e da grandeza. Por mais tempo ainda, a matemática foi tomada (exclusivamente) como a ciência das quantidades. Enquanto ciência das quantidades, essa se aplicava às magnitudes (como na geometria), aos números (como na aritmética) ou à generalização de ambos (como na álgebra).

Assim, a geometria constituiria a parte da matemática relacionada com o estudo das propriedades do espaço. Em sua forma mais elementar, a geometria trataria de problemas métricos, como o cálculo da área e do diâmetro de figuras planas e da superfície e volume de corpos sólidos. Outros campos da geometria seriam a geometria analítica, a geometria descritiva, a topologia, a geometria de espaços com quatro ou mais dimensões, a geometria fractal e a geometria não-euclidiana.

Já a aritmética (literalmente falando: arte de contar - termo derivado do vocábulo grego arithmetike, que combina arithmos, número; e, techne, arte ou habilidade) estudaria o modo pelo qual os números podem ser combinados através da adição, subtração, multiplicação e divisão. As propriedades aritméticas da soma e da multiplicação seriam as mesmas da álgebra.

Por sua vez, o ramo da matemática no qual usam-se letras para representar relações aritméticas, corresponderia à álgebra. Assim, como na aritmética, as operações fundamentais da álgebra seriam a adição, subtração, multiplicação, divisão e o cálculo de raízes.

Veja-se, porém, que a partir do século XVII, a aritmética e a geometria, tanto quanto a mecânica, a física matemática e o cálculo das probabilidades passaram a ter em comum a álgebra, a qual poderia ser concebida como o cálculo das operações.

Em meados do século XIX, a matemática passa, todavia, a ser considerada como a ciência das relações, ou como a ciência que produz condições necessárias; trazendo para o seu universo relacional a lógica matemática.

Assim, resultou pensar que a matemática pudesse ser a ciência das relações entre quantidades, magnitudes e propriedades e das operações lógicas utilizadas para se deduzir quantidades, magnitudes e propriedades desconhecidas. De maneira assaz simplificada pensa-se, então, a matemática como a ciência que investiga relações entre entidades definidas abstratas e logicamente.

De outra forma, entretanto, tem-se também verificado que até o século XVIII a ciência matemática era considerada como sendo dividida em matemática pura e matemática mista, a primeira dizendo respeito tão somente ao raciocínio e a segunda servindo-se tanto do raciocínio quanto da experimentação. Passado algum tempo, contudo, a denominação de matemática mista cede lugar ao termo matemática aplicada. Mas, seja como for, a distinção entre matemática pura e matemática aplicada veio consubstanciar outra das tantas imprecisões constatadas historicamente quanto às tentativas de se rotular através de uma definição a matemática.

Pondere-se: de um lado, ramos da matemática que no passado eram tomados como fazendo parte da matemática pura, atualmente são considerados como pertencentes ao campo da matemática aplicada, e vice-versa; de outro lado, em certa medida, ciências tomadas no passado como estranhas ao domínio da matemática, atualmente permeiam o universo matemático - tal é o caso particular da lógica. Inicialmente tomou-se a geometria - em outrora definida como a ciência do espaço físico - como aquele estudo essencial no campo da chamada matemática pura; mas, nos dias atuais, é referenciada, pela maioria dos matemáticos, como aplicação. O cálculo das probabilidades era considerado como fazendo parte da matemática aplicada; hoje é fortemente admitido como integrante da matemática pura.

Efetivamente, portanto, o que é “puro” e o que é “aplicado” em matemática?

Muito embora os rótulos matemática pura e matemática aplicada pretendam dicotomizar o que muitos julgaram (e, ainda, outros tantos julgam) absoluto e indivisível, surgiram concepções que proclamaram ser a matemática apenas uma parte de outra ciência maior, a lógica. Em 1870, desenvolve-se a aritmetização da matemática. Surge a teoria dos conjuntos. Infinitos infinitos são admitidos. Os números transfinitos são definidos. O método axiomático ganha força. A topologia se consagra. As teorias se multiplicam incontrolavelmente. Surgem dificuldades nunca antes imagináveis. Os paradoxos deixam enganar. As antinomias assombram os matemáticos. Antes do século XIX a maior parte dos matemáticos pensava igualmente que toda proposição matemática verdadeira deveria poder ser demonstrada no interior de um sistema matemático. Mas, em 1931, surge a demonstração de ser irrealizável deduzir a partir de um sistema matemático uma infinidade de proposições, todas verdadeiras. Mostrou-se que a matemática é incompleta, ou pior ainda, é incompletável.

Das tentativas do passado e do presente de se caracterizar o trabalho matemático surgem não poucas indagações, correspondentes polêmicas e acirradas disputas. Muitos, na atualidade, admitem que a matemática é a ciência que estuda, por meio do raciocínio dedutivo, as propriedades dos seres abstratos (números, figuras geométricas, etc.), bem como, as relações que se estabelecem entre elas. Mas, tal definição abrange, seguramente, todos os distintos domínios da matemática? Seria possível definir a ciência matemática de forma efetiva e inquestionável? Seja como for, entretanto, embora muitas das definições do passado sobre a matemática não são mais legítimas e outras mais recentes não deem plena conta do que corresponda, realmente, à ciência matemática, procura-se convencer que quaisquer que sejam as definições sobre a matemática essas solicitam que se lance um olhar mais detido, por um lado, sobre determinados aspectos da história e, por outro, sobre o que se concebe como sendo as filosofias da matemática.

Nesse livro pretende-se apresentar, de forma a mais clara possível, porém de maneira compendiada e (inevitavelmente) arbitrária, uma exposição que trata da evolução histórica da matemática agregada às principais concepções filosóficas sobre a matemática para, em paralelo, perspectivar uma posição dita extemporânea sobre a matemática.

Ressalte-se, de imediato, que em Prolegômenos à filosofia da matemática não será exposta, efetiva e declaradamente, uma particular filosofia da matemática. Apenas serão considerados, indiretamente, os pressupostos necessários para se atingir um correspondente propósito. Em futuro próximo e de forma, também, extemporânea será apresentado trabalho no qual, propriamente e com o rigor exigido, uma concepção filosófica particular sobre a matemática será divulgada.

Saliente-se, todavia, que a presente obra foi subdividida em quatro capítulos, os quais, mesclando aspectos históricos com posicionamentos e interpretações particulares, apresentam os temas conforme discriminado a seguir.

Observe, então, que no Capítulo I (Evolução Histórica da Matemática), como a própria denominação indica, são apresentadas, de forma condensada, considerações muito gerais sobre o desenvolvimento histórico da matemática.

Acrescente-se, todavia, que as correspondentes ponderações não traduzem pontos de vista previamente assumidos e que se procurou relegar a um segundo plano e, ao máximo, quaisquer simpatias ou antipatias pessoais sobre assuntos ou autores. Pontuam-se, basicamente, considerações que possibilitem vislumbrar, a seu tempo e em dada medida, um entendimento a respeito do que se poderia aceitar como matemática (de forma algo extemporânea).

Acrescente-se, também, que a exposição em questão foi dividida em quatro partes, seguindo-se a periodização da história proposta por Christoph Keller (1638-1707). Assim, são listadas considerações sobre a Idade Antiga da Matemática, a Idade Média da Matemática, a Idade Moderna da Matemática e a Idade Contemporânea da Matemática.

Aponha-se, no entanto, que não apenas a história da matemática revela, incondicionalmente, os pensamentos mais fantásticos de inúmeras gerações para compreender-se o que é matemática, como, também, a história da lógica matemática pode balizar o respectivo caminho a ser seguido. Embora o correspondente estudo envolva não poucas dificuldades e indefinições, é, todavia, esclarecedor realizar uma leitura, mesmo que breve e resumida, sobre o desenvolvimento histórico da lógica matemática para auxiliar o entendimento sobre a matemática e promover as devidas extensões para distinção de posições filosóficas pretendidas.

Portanto, no Capítulo II (História Compendiada sobre a Lógica Matemática), apresentam-se informações históricas relacionadas ao desenvolvimento da lógica matemática (ou lógica formal) considerando-se, em particular, os fatos históricos que melhor contribuíram para tornar factível o entendimento dos raciocínios (principalmente dedutivos) envolvidos na matemática.

Para atingir-se uma particular filosofia da matemática é necessário não apenas lançar olhares sobre questões ligadas à evolução histórica da matemática e da lógica matemática como, também, levar em conta o que propuseram as principais escolas filosóficas sobre os fundamentos da matemática.

Nesse sentido, no Capítulo III (Concepções Filosóficas sobre a Matemática), abordam-se considerações panorâmicas sobre aquelas que foram as “principais” escolas concebidas ao longo do desenvolvimento histórico da matemática; as quais tomam posições diferenciadas (ou antes, distintas) no que tange às bases da matemática.

Desconsiderando-se, então, posições de parcialidade sobre a gênese da matemática, apresentam-se no Capítulo III observações particulares sobre o nominalismo, o conceptualismo, o intuicionismo, o realismo, o logicismo e o formalismo.

Após a apresentação de considerações pertinentes sobre as eleitas concepções filosóficas sobre a matemática são expostas, no Capítulo IV (Pensadores sobre a Matemática), observações escolhidas sobre as concepções particulares de importantes pensadores a respeito da matemática.

Pondere-se, entretanto, que a exposição considerada no Capítulo IV é o resultado de estudo arbitrário conduzido tanto sobre as contribuições à matemática quanto sobre a filosofia da matemática inseridas no pensamento de pensadores selecionados segundo diretrizes particulares que, por sua vez, procuraram nortear a caminho a ser seguido para se atingir uma privada filosofia da matemática.

Apropriadamente, então, realiza-se, no referido capítulo, uma estrita abordagem sobre escolhidas contribuições de pensadores tais como: Platão, Aristóteles, Kant, Carnap, Frege e Wittgenstein.

Por outro lado, ressalte-se que o presente livro, distintamente de outros do gênero, não inclui muitas referências bibliográficas. Disseminado, contudo, ao longo dos textos encontrar-se-á referência a determinadas obras que, por sua vez, podem remeter a outras mais aprofundadas ou específicas.

Cabe observar, também, que os textos apresentados ao longo dessa obra, no todo ou em parte, correspondem a artigos, palestras ou cursos desenvolvidos nos últimos anos pelo autor. Assim, esclareça-se que, na busca de uma melhor sequência de apresentação dos mesmos no livro em questão, foram realizadas algumas adaptações em relação aos trabalhos originais.

A despeito, porém, do anteriormente considerado, seria no mínimo presunção, em um livro com a natureza do presente, esperar que tudo o quanto se relacione com o tema tenha sido tratado especificamente. As muitas omissões que poderão ser encontradas ao longo dos textos justificam-se, entretanto, por ser essa obra (como o título sugere) uma introdução à filosofia da matemática; ou, mais apropriadamente, prolegômenos a uma particular filosofia da matemática.

Como já se observou em oportunidades anteriores, uma obra publicada é, até certo ponto, como um iceberg; porquanto, aquilo que é apresentado (por escolha contingencial do autor) pode constituir-se em apenas uma pequena fração do todo. Além do mais, livro algum surge sem que o autor dispense uma boa parcela de tempo, tenha um propósito estabelecido e sem que receba, necessariamente, algum apoio daqueles que fazem parte de sua vida.

Assim, primeiramente, agradeço aos meus pais, José Waldetaro e Cirene Terezinha, por terem propiciado, apesar das dificuldades sempre presentes, o início de meus estudos, bem como, por sempre me incentivarem ao estudo e à aquisição do conhecimento. A eles devo a vida, a criação e as constantes orientações no caminho certo.

À minha esposa, Inês, agradeço a compreensão e a paciência que se fez necessária manter para possibilitar o desenvolvimento e a conclusão dos respectivos trabalhos.

Às minhas filhas Mariana Carolina e Juliana Cecília agradeço pelas graciosas e constantes interrupções que se fizeram presentes durante todas as fases da elaboração desse trabalho. Que continuem elas interessadas por assuntos relacionados com a matemática e com a lógica matemática. Que o saber e o pensar sejam as luzes que iluminem seus caminhos em direção à verdade.

De forma geral, agradeço, ainda, a todas as pessoas que, em nossas vidas, de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, se empenham por nós e torcem pelo nosso contínuo sucesso.

Porém, acima de tudo, agradeço a DEUS. Sem Sua proteção não estaria eu mais nesse mundo e esse trabalho não existiria.

Carlos Magno Corrêa Dias
Curitiba-PR, 21/11/2010