2024/03/11

Prefácio à primeira edição de “Lógica matemática: introdução ao cálculo proposicional”.


Prefácio à primeira edição de “Lógica matemática: introdução ao cálculo proposicional”.

Curitiba: Carlos Magno Corrêa Dias, 1999.
ISBN 85-900661-3-4.


O posicionamento de tempos passa­dos, no que concerne às relações de impregnação mútua entre a Matemática e a Lógica, é uma das características a distinguir em inúmeros matemáti­cos e ló­gicos da atualidade. Felizmente, porém, a despeito dessa aparente não evolução e levando-se em conta que, em diversos aspectos, a Matemática não se reduza à Lógica (e vice-versa), se tem ins­taurado, em estudos admiráveis, a colabora­ção necessária entre essas duas Ciências.

Diversos estudiosos, não servindo-se de preconceitos e dogma­tismos estéreis, promulgam e defendem, nos tempos atuais, a necessidade de caracterizar que a Lógica torna-se, em determinadas instâncias, cada vez mais Matemática e, a Matemática, por sua parte, cada vez mais Lógica; não deixando, contudo, de observar que está última nunca será completamente Matemática e, nem tão pouco, a própria Matemática poderá ser reduzida à Lógica em sua plenitude.

Muitos são os pesquisadores que, direta ou indiretamente, têm di­re­cio­nado seus esforços no sentido de dissimular as barreiras ideológi­cas, diga-se, a bem da verdade, secionais, existentes entre a Matemá­tica e a Lógica. Todavia, independentemente de quaisquer estudos, deve-se ter sempre em mente que tornar preciso o conceito de demonstração é uma das tarefas particulares da Lógica Matemática, sendo a Lógica Matemática, em grande medida, responsável por investigar, em seus detalhes, a natureza das demonstrações matemáticas.

Por outro lado, deve-se atentar para o fato que tanto a Matemática quanto a Lógica tra­tam de rela­ções universais estabelecidas pela razão e não de realida­des particulares advindas do “mundo real”. Ambas as ciências não se pres­tam a afirmar ou a estudar, em seus uni­versos relacionais, pertinên­cias de caráter experimental, mas sim, ne­cessárias e for­mais, cujos sistemas axiomáticos são dotados, em grande parte, de uma im­preg­nação mútua entre estruturas simbólicas e formais.

Não se pretende, alerte-se de imediato, com tal delibe­ração, homolo­gar que a Matemática e a Ló­gica são “entidades” coincidentes. O que, por natu­ral consequên­cia, se­ria, na mais branda das observações, um absurdo. É lícito, todavia, conjeturar que a Matemática é condicio­nada pela Ló­gica; mas, tal condiciona­mento é interior em sua forma específica. Por outro prisma, a Ló­gica Formal, em essência, emerge de métodos ma­temáti­cos, em­bora na forma particu­lar dos mesmos.

Os estudos lógicos, mais do que quaisquer outros sentidos, constituem requisito fundamental para melhor se compreender a metodologia da Matemática enquanto tomada como ciência dedutiva. Assim, nesse contexto, pode-se também conceber a Lógica Matemática como sendo uma ciência aplicada ao estudo da prática dedutiva em Matemática. Vê-se, pois, que “a Lógica Matemática é mais uma ‘matemática’ da Lógica do que a ‘lógica’ da Matemática”. A Lógica Matemática, efetivamente, permeia “quase” todos os ramos da Matemática e de suas aplicações.

De qualquer forma, todavia, partindo-se do pressuposto que não é concebível, to­mando-se por base o atual estágio de desenvolvimento da Matemática e da Lógica (que se enriquecem constantemente), igno­rar a amálgama de concepções heterogêneas que con­duz, pelo cami­nho do sincretismo, a um núcleo, em parte, comum; o presente compêndio consiste de uma contribuição inicial ao estudo de determinados elementos constituintes da denominada Lógica Matemática.

Mas, ressalte-se, a seu tempo, que o presente trabalho não tem por finalidade abarcar todo o campo da Lógica Matemática. Seu caráter estritamente introdutório provê tão somente um estudo da parte mais elementar da Lógica Matemática; qual seja: daquela parte correspondente ao Cálculo Proposicional (ou Cálculo Sentencial, ou Cálculo dos Enunciados).

Constituiu objetivo fundamental desse estudo apresentar o conteúdo em referência da forma a mais simples e didática possível, uma vez que esse livro é também produto de uma vivência de ensino a partir da qual tornou-se possível detectar algumas dificuldades basilares com as quais se defrontam muitos dos educandos que se relacionam pela primeira vez com a Lógica Matemática. Se a obra encerra alguma pretensão não revelada, está não pode ser mais do que a pretensão de constituir uma experiência de iniciação, sem, entretanto, isentar, de todos os riscos teórico-didáticos que possam surgir em decorrência.

O conteúdo selecionado julga-se adequado para um primeiro contato com os elementos da Lógica Matemática quanto referenciados ao Cálculo Proposicional. A linguagem empregada, tanto quanto o tratamento dispensado a determinados assuntos e problemas, bem como, a maneira pela qual procurou-se articular cada um dos correspondentes capítulos evidenciarão o caráter de iniciação que orienta o desenvolvimento do assunto tratado.

Esse livro é uma introdução (compendiada) à Lógica Matemática que, por sua vez, vem tratar, especificamente, do Cálculo Proposicional e dirige-se aos leitores de cursos universitários das Ciências Exatas e de Tecnologia (particularmente dos cursos de Ciência da Computação, Engenharia de Computação e Licenciatura em Matemática) onde seja ministrada a disciplina de Lógica Matemática. Contudo, pode servir de texto de iniciação à Lógica Matemática em quaisquer outros cursos na universidade (em especial no curso de Filosofia). Também, porém, pode ser lido e entendido (sem grande esforço) por todo aquele, seja universitário ou não, que esteja interessado em introduzir-se nessa matéria. Com a devida adequação e esmerado cuidado poderia, ainda, ser utilizado nos anos terminais do ensino secundário (conforme a experiência já demonstrou).

Foi procurado facilitar toda classe de considerações no desenvolvimento dos temas atinentes e na escolha dos exemplos apresentados. Com a intenção de auxiliar o leitor que não tenha uma (“boa”) base matemática nem tão pouco disponha de um professor que o oriente, o estilo do discurso adotado foi, intencionalmente, o informal. Contudo, ressalte-se, que o assunto, embora tratado na forma de iniciação, foi conduzido de forma suficientemente precisa com vistas a atender aqueles que pretendam seguir estudos mais aprofundados em Lógica Matemática. Acrescente-se, todavia, que em determinadas partes da obra alguns problemas foram tratados com grau de dificuldade um pouco maior que na maioria dos livros similares existentes.

Assim, o objetivo do livro, em essência, é introduzir, com desejável rigor e grau de aprofundamento, algumas das técnicas dedutivas do cálculo sentencial, partindo-se do estudo das proposições e dos elementos que sistematizam o raciocínio dedutivo comum em Matemática. São introduzidas, informalmente, por um lado, considerações sobre formalização, validade, interpretação, consequência, e, por outro, são precisadas e desenvolvidas considerações sobre notações, simbolismo lógico e não lógico, semântica e sintaxe da linguagem lógica.

Ao que concerne, entretanto à ordenação das matérias, cabe observar, em específico, que o livro foi estruturado em oito capítulos, sendo que o Capítulo I é dispensável quando se está interessado tão somente na sistematização do Cálculo Proposicional, uma vez que em tal capítulo (Escorço Histórico da Lógica Matemática) faz-se um breve relato da história da Lógica Matemática, partindo-se de Aristóteles até os dias atuais. São mencionados, resumidamente, autores e principais descobertas que, ao passar dos tempos, conduziram a reconhecer a Lógica Matemática enquanto uma ciência própria. Tomando-se por base a tríade evolutiva da Lógica, qual seja, a Lógica Antiga (em Aristóteles), a Lógica Medieval (na Es­co­lástica) e a Lógica Moderna (ou Formal), a obra em referência apre­senta, em sua constituição, um escorço histórico sobre o desenvolvi­mento da Lógica Matemática. Ressalte-se, porém, que na apresenta­ção de um tal resumo da evolução da Lógica não são consideradas minúcias de caráter técnico; pois que, pretende-se, tão somente, apresentar ao leitor o caminho se­guido pelo homem para atingir, a despeito das re­flexões dogmáticas de determinadas tendências, a fantástica e pode­rosa forma de raciocínio formal in­serida na Lógica Matemática.

Do Capítulo II ao VI encontram-se apresentados os elementos indispensáveis para que se possa obter uma ideia preliminar do que venha ser tratado em Lógica Matemática Proposicional, constituindo, portanto, o núcleo dessa obra. Pondere-se, a propósito, que dada as opções e condicionamentos envolvidos, os quais são traduzidos no nível de detalhamento dos tópicos abordados, não são discutidas, em profundidade, questões de ordem filosófica ou questões sobre fundamentos.

Dessa forma, no Capítulo II (Estruturação do Cálculo Proposicional) são levadas em consideração os conceitos fundamentais sobre a linguagem artificial da Lógica Sentencial, sobre Proposições, Conectivos Lógicos, Verdade e Validade, Fórmulas Proposicionais, Valores Lógicos, Operações Lógicas Fundamentais, Escopo e Pareação de Fórmulas Proposicionais; enfim, sobre os elementos necessários para se trabalhar a correspondente teoria.

No Capítulo III (Método das Tabelas-Verdade) efetua-se um estudo das Tabelas-Verdade, levando-se em conta os correspondentes métodos de implementação. São, também, consideradas as definições de Tautologias, Contradições e Contingências, as quais serão aplicadas ao exame das Relações Lógicas e dos Argumentos Dedutivos e Inferências.

No Capítulo IV (Relações Lógicas no Cálculo Proposicional) estão reunidos as definições de Relações de Equivalência e de Implicação Lógica, principais propriedades das Relações Lógicas e Teoremas Fundamentais (da Equivalência, da Implicação, da Substituição), bem como, considerações sobre as Operações Derivadas de Negação Conjunta e Negação Disjunta e suas relações com as Operações Lógicas Fundamentais.

No Capítulo V (Álgebra Proposicional) é dado um “tratamento algébrico” às Operações Lógicas onde são evidenciadas várias das propriedades das mesmas, são apresentados critérios de Simplificação de Fórmulas Proposicionais, sendo levado em conta critérios para a Redução do Número de Operadores. Também são analisadas as Formas Normais de uma Fórmula Proposicional e são discutidos o Princípio da Dualidade e o Problema de Post.

No Capítulo VI (Dedução no Cálculo Proposicional) são amplamente discutidas as técnicas dedutivas e se apresenta, de modo o mais rigoroso para o principiante, a noção de “dedução”. São estudados os Argumentos Válidos Fundamentais, as Regras de Inferência, os Critérios de Verificação da Validade de Argumentos Dedutivos, bem como alguns aspectos importantes das correspondentes demonstrações e suas implicações.

Já os Capítulos VII e VIII constituem capítulos complementares no sentido de motivar o leitor a prosseguir em estudos ulteriores. No Capítulo VII (Paradoxos e Antinomias) são apresentadas considerações sobre a importância do estudo dos Paradoxos e Antinomias no desenvolvimento tanto da Lógica quanto da Matemática; sendo examinados alguns dos Paradoxos e Antinomias, tanto lógicos quanto matemáticos, que maior influência exerceram. Nesse capítulo, embora sejam discutidos vários Paradoxos e Antinomias, dá-se especial atenção às Antinomias da Teoria dos Conjuntos.

Como última parte do livro tem-se o Capítulo VIII o qual apresenta um conjunto de Problemas de Raciocínio Lógico (de diferentes níveis de dificuldade e distintas naturezas) que são propostos ao leitor com o fim de testar e aplicar muitos dos conceitos exibidos ao longo da obra.

Pondere-se, também, que cada capítulo faz-se acompanhar de uma conjunto de exercícios (de distintos níveis de complexidade) através dos quais o iniciante poderá aplicar os conceitos lógicos estudados e melhor compreender a correspondente teoria desenvolvida.

Dadas, porém, as motivações imperiosas que conduziram à ela­bo­ra­ção do presente estudo, é necessário, por fim, ponderar que o mesmo não constitui uma obra “definitiva” no sentido estrito da palavra. Trata-se, em essência, de um ensaio centrado na premissa maior de apre­sentar a amálgama de elementos que constituem a denominada Lógica Ma­te­mática. Revele-se, contudo, que a presente obra será acompanhada por outras futuras, umas de caráter mais instrumental, outras de natureza mais filosófica, as quais poderão conter material mais elaborado e complexo. Fica aqui, de momento, entretanto, a esperança de que o presente livro seja de serventia para aquele que se inicia no estudo da Lógica Matemática.

Aos homens de discernimento que buscam as conver­gên­cias entre a Matemática e a Lógica, sem, no entanto, pretender fundir uma na outra, apresentam-se agradeci­mentos espe­ciais pela visão, coragem e consciência. Aos profes­sores e estu­diosos (quer sejam matemáticos ou não) que procuram, constantemente, viabilizar e divul­gar tanto a Matemática quanto a Lógica, apre­sentam-se sinceros agradecimentos pela dedicação, esforço e confiança.

Agradeço, também, aos meus pais José Waldetaro e Cirene Terezinha pelo constante incentivo ao estudo; externando, de forma geral, agradecimentos a todos que em nossas vi­das, de uma forma ou de ou­tra, direta ou indiretamente, de alguma forma, se empenham e torcem por nós.

Finalmente, exprimo minha gratidão à minha esposa Inês por toda a ajuda que, em maior ou menor grau, recebi na leitura das correspondentes provas; agradecendo, também, às graciosas e seguidas interrupções de minhas filhas Mariana Carolina e Juliana Cecília que se fizeram presentes durante todas as fases de elaboração desse trabalho.

Carlos Magno Corrêa Dias
Curitiba-PR, 01/11/1999