2013/02/08

Lógica Analítica Inferencial.


Partindo-se do desenvolvimento histórico da Lógica esta poderia, em sentido estrito, ser caracterizada (ou antes, subdividida), de forma geral, em Lógica Não-Formal e Lógica Formal; muito embora, ressalte-se, uma tal classificação seja adotada no presente contexto de forma arbitrária.

Contudo, enquanto Lógica Não-Formal esta não adota a axiomatização e, nem tão pouco, regras de um cálculo no seu tratamento. Por as­sim dizer, é a Lógica Não-Formal mais “intuitiva”; porquanto, não sendo tratada por meio de métodos analíticos, não é passível de ser formalizada através de uma linguagem simbólica, sendo, em essência, um desenvolvimento puramente filosófico dissociado do formalismo e da algebrização.

Saliente-se, a propósito, que as considerações pretendidas não dizem respeito à análise e/ou investigação desta forma da Lógica, uma vez que o objeto principal de estudo cor­responde à Lógica Formal e, em particular, à Lógica Matemática.

Enquanto Lógica Formal (a qual encerra em seu uni­verso conceitual a Lógica Matemática), esta, em contrapartida, está fundamentada na axiomatização, no formalismo e na simbolização. Desta forma, em sua dimensão particularizada, a Lógica Matemática (ou Simbólica, ou Algorítmica, como se prefira qualificá-la), sendo uma Lógica axiomatizada (bivalente e dicotômica), é individualizada por processos analíticos conexos através de métodos ma­temáticos.

A Lógica Matemática se desenvolve na instância das relações abstratas dos símbolos e se detém à combinação destes mesmos símbolos entre si (remetidos a uma linguagem artificial com semântica e sintaxe próprias) quando, então, passa a estudar as inferências (via argumentação) do ponto de vista da validade da estrutura sentencial, subtraindo o significado concreto de sua determinação para atingir a coerência de raciocínio.

Abstraindo o significado relativo dos elementos constituintes de um determinado sistema (universo relacional) passa, a Lógica Matemática, a estabelecer normas, princípios e/ou regras que possibilitem a construção coerente do pensamento em termos de juízos necessários; servindo-se, para tanto, das estruturas em sua constituição formal. É, pois, a Lógica Matemática um sistema científico de raciocínio onde a axiomatização, o formalismo e a simbolização são suas características funda­mentais.

Por outro prisma, à Lógica Matemática cabe, entre outras funções, consolidar os meios pelos quais as inferências válidas possam ser analisadas a partir da formalização e do relacionamento intrínseco entre os entes de um dado sistema, consignando o raciocínio em termos de operações e relações lógicas. Porquanto, desdobra-se, a Lógica Matemática, na especificação de uma linguagem proposicional e na determinação de princípios que norteiam a fundamentação e o desenvolvimento de um sistema formal de raciocínio.

Usualmente (na Academia, pelo menos), para uma melhor compreensão (ou estudo) da Lógica Matemática, costuma-se apresentá-la em duas partes específicas (que mutuamente se relacionam), ou, mais precisamente, segundo dois cálculos efetivos, os quais são enuncia­dos, respectivamente, por: Cálculo Sentencial (ou Cálculo Pro­posicional, ou Cálculo dos Enunciados) e Cálculo dos Predicados (ou Cálculo Predicativo, ou Cálculo das Funções Proposicionais).

O Cálculo Proposicional encerra um aparato conceitual capaz de determinar, ou antes, de verificar, as relações lógicas válidas (legítimas) entre classes de fórmulas a partir de unidades mínimas de análise; bem como, possibilita o estabelecimento de procedimentos de decisão que permitem contextualizar a “verdade” ou a “falsidade” das estruturas analíticas compostas a partir de seus elementos componentes e segundo as definições que lhe deram origem.

Quanto às inferências, o Cálculo Sentencial dispõe de meios “algébricos” (bem estruturados) para formular critérios de análise quanto à legitimidade de um dado argumento dedutivo a partir do relacionamento (conexão estrutural) das premissas (princípios ou teses anteriormente estabelecidas) com a conclusão (enunciado inferido a partir de seus antecedentes; as premissas).

Ao Cálculo dos Predicados, entretanto, cabe a avaliação da estrutura lógica interna dos enunciados envolvidos na inferência que, no Cálculo Proposicional, são considerados indivisíveis. Além do mais, o Cálculo dos Predicados permite verificar a legitimidade de argumentos cuja complexidade não é passível de ser analisada segundo os princípios norteadores do Cálculo Proposicional; dado que, saliente-se, não se trabalham com classes de elementos no Cálculo Sentencial e sim com os elementos, sendo, pois, as classes de elementos a matéria prima de análise no Cálculo dos Predicados.

A esta altura do presente texto, talvez, o leitor estará se perguntando: O que é Lógica Matemática? A Lógica Matemática e a Matemática constituem sistemas (ou Ciências) mutuamente excludentes? Pode-se, efetivamente, renegar um tratamento lógico da atividade matemática? Pode-se, a bem da verdade, desenvolver o trabalho matemático dissociado dos pressupostos lógicos?

Se Lógica e Matemática não constituem uma única Ciência, qual é, portanto, a fronteira, se é que a mesma existe, entre Matemática e Lógica Matemática? Em suma, o que torna lógica a Matemática e, de resto, matemática a Lógica Ma­temática? Quais são as características técnicas (ou, digam-se, matemáticas) de uma Lógica Matemática? Como se definiria a Lógica Matemática? É possível definir a Lógica Matemática?

A despeito das questões anteriores, um fato é inquestionável e merece destaque, qual seja: não se pode, efetiva e evidentemente, definir, de maneira exata, objetiva e inequívoca, Matemática e Lógica Matemática sem entrar em minúcias técnicas ou sem estudar o progressivo desenvolvimento de ambas as Ciências. Por outro lado, deve-se considerar, também, que, questões de tal mérito, certamente, dirigem as discussões a respeito dos fundamentos tanto da Matemática quanto da Lógica Ma­temática no âmbito da história e da filosofia da Ciência.

No estado atual de desenvolvimento em que se encontram tais Ciências é preciso salientar que muito embora Matemática e Lógica Ma­temática, efetivamente, não constituam uma única estrutura for­mal, desconsiderar as relações inerentes entre as mesmas é antes de qualquer estudo pormenorizado, um grande e infeliz equívoco. Há de se observar, também, que uma linha divisória, uma demarcação efetiva, entre Matemática e Lógica Matemática é praticamente im­possível de ser estabelecida; uma vez que, o desenvolvimento da Matemática se deve a uma construção lógico-racional e a axiomatização e formalização da Lógica Matemática é consolidada através de processos matemáticos. Entretanto, e certamente, Matemática e Lógica Matemática não dão origem a um único corpo de conhecimentos.

As considerações apresentadas levam esta explanação a mencionar outro dos problemas fundamentais na história da Matemática. Qual seja: o poder cognoscitivo da racionalidade, in extenso, vem caracterizar o fundamento a priori da Matemática ou, pelo contrário, a Matemática (organismo científico totalmente coe­rente), enquanto instrumento hipotético das Ciências Naturais, tem seu fundamento, sua gênese, a posteriori? E, no cerne desta questão reside, de fato, o problema da busca dos fundamentos da Matemática. Estariam os fundamentos da Matemática na Lógica Matemática? Ou não seria a Matemática a base para uma Lógica Matemática?

Embora as questões em pauta sejam objeto de estudos específicos e debates acirrados, observe que a complexidade, o rigor e a essência da Matemática não podem ser resumidos à questão da individualização do fundamento; porém não se deve per­der de vista que a relevância a priori e a posteriori das origens e dos limites matemáticos institui a fronteira entre o pensamento crítico e o pensa­mento lógico-racional. Saliente-se, outrossim, que não é possível vislumbrar aplicações da Matemática ao mundo sensível (mundo natural) sem, contudo, conhecer e/ou compreender a estrutura e as verdades correspondentes que lhe caracterizam o desafio intelectual em si mesmo.

Mas, é necessário enfatizar que o fascínio e a exuberância da Matemática, tal qual da Lógica Matemática, residem no fato de serem os seus fundamentos determinados pelas leis do pensamento, pois toda verdade matemática encerra em si uma genuína e transparente construção da razão.

Essencialmente, as leis matemáticas, enquanto racionalidade, são estabelecidas por juízos necessários, os quais, regimentados pelo princípio da Identidade, da Não-Contradição e do Terceiro Excluído (princípios estes que correspondem, também, às leis fundamentais da Lógica Matemática), constituem estrutura inteiramente coerente e logicamente formalizada. Tais juízos, ditos analíticos, corroboram as verdades matemáticas; dando à Matemática um fundamento cognoscível a priori em que a precisão e a exatidão de suas estruturas advêm de leis racionais, ou antes, de relações entre juízos apoiados em princípios primeiros oriundos da pura razão.

Assim, as leis matemáticas, e de resto as próprias leis lógicas, não constituem um conjunto estéreo de tautologias (como alguns menos avisados pretendem proclamar) e nem tão pouco se fundamentam, exclusivamente, na experiência sensível (como outros insistem em defender).

O mundo da Matemática, tal qual da Lógica Matemática, não é aquele em que os enunciados coexistem dialeticamente. É, por excelência, o mundo da abstração formal; opera-se no universo das relações abstratas, formaliza seus princípios e as estruturas de seu consignamento e, trans­pondo a trivialidade do conteúdo, vem estabelecer suas verdades em função da forma conceitual.

Todavia, quais são os pressupostos que caracterizam ou individualizam a Lógica e o correspondente mundo analítico, necessário?

Observe, então, que as linguagens usuais, ditas naturais, tais como o português, o inglês, o francês, o espanhol e outras tantas desenvolvidas pela primordial necessidade da comunicação a partir do desenvolvimento e da consolidação das culturas universais não se prestam, como é natural concluir, à Lógica Matemática ou à Matemática; uma vez que os termos componentes de um cálculo (procedimento dedutivo, onde domina o emprego de regras for­mais e a manipulação algébrica) não apresentam, em essência, necessariamente, o mesmo significado usual de palavras e expressões de uma determinada língua (que se presta à comunicação). Mas, em contrapartida, os ele­mentos constituintes da Lógica Matemática e, da própria Matemática, seus respectivos símbolos, significados e a forma de relacionamento desses símbolos (afetos à semântica e sintaxe de linguagens artificiais) não servem para a comunicação usual enquanto tal.

Cabe, então, ressaltar, por exemplo, que um enunciado em Lógica Matemática, tal qual em Matemática, é “verdadeiro” em função de sua forma e não de seu conteúdo. Às Ciências ditas Matemáticas interessam apenas as estruturas formais que pelo acréscimo de variáveis enunciativas possibilitam alcançar universalidade e exatidão. A principal característica, o ponto de distinção, das Ciências Matemáticas, em oposição às demais Ciências, é o uso de provas ao invés de simples (e relativas) observações. E, dessa forma, na delimitação desse escopo, é conveniente que se diga que um mínimo de enunciados é suficiente para a dedução de todos os de­mais; o que vem constituir, por excelência, as bases de um sistema dedutivo.

A Lógica Matemática serve-se de uma linguagem própria, qualificada como linguagem proposicional ou linguagem enunciativa, a qual consiste de um conjunto de símbolos específicos com regras (semânticas e sintáticas) formuladas a partir de um conjunto de axiomas fundamentais. As regras sintáticas de uma tal linguagem definem um conjunto de fórmulas, ditas fórmulas pro­posicionais, bem definidas, as quais são estabelecidas através do relacionamento intrínseco das denominadas proposições com os conectivos lógicos.

Por seu turno, as regras semânticas da linguagem transmitem o significado dos conectivos lógicos e associam a cada fórmula um valor lógico (ou valor-verdade); quais sejam: a Verdade (V) ou a Falsidade (F), e não ambos. Ou seja, tem-se estabelecido um sistema bivalente e dicotômico, onde os valores Verdade (V) e Falsidade (F) são mutuamente excludentes.

Saliente-se, a propósito dos valores dicotômicos Verdade e Falsidade, que, em dado universo relacional, a corroboração da definição do enunciado, enquanto tal, vem estabelecer o estado-de-verdade Verdade (V); sendo que, a contradição ou a negação lógica da definição constituída vem consolidar o estado-de-verdade Falsidade (F).

Há de se observar, por outro lado, que a linguagem técnica especial de que a Lógica Matemática se utiliza trans­formou-se num instrumento extremamente pode­roso para a análise e para a dedução. Assim, seus símbolos estruturados permitem apresentar com maior nitidez as estruturas lógicas tanto de pro­posições, quanto de argumentos dedutivos (legítimos ou não-legítimos). Todavia, indique-se, por sua vez, que à Lógica não interessa (de uma forma geral) descrever e/ou explicitar os processos mentais que se manifestam na inferência (operação de raciocínio pela qual se passa de uma verdade a outra, julgada tal em razão de seu liame com a primeira).

Partindo do pressuposto que existem inferências que apresentam conclusões obtidas a partir de evidências e outras não, a Lógica se interessa pela correção do pro­cesso inferencial como um todo. E ao estudar Lógica verifica-se que essa estabelece os meios pelos quais é possível qualificar a validade (legitimidade), ou não-validade (não-legitimidade), de uma inferência a partir das formas dos enunciados que constituem as premissas e a conclusão de um dado argumento.

Poder-se-ia dizer, de forma compendiada, que o estudo das formas de argumentos válidos e dos diferentes tipos de enunciados logicamente “verdadeiros” são os pressupostos que caracterizam ou individualizam a Lógica (em seus diferentes domínios). No entanto, para se poder aplicar a Lógica Matemática na análise de argumentos e enunciados se faz necessário conhecer, preliminarmente, vários dos elementos que a constituem.

Para um correspondente estudo e considerações técnicas sugere-se a leitura da obra “Cálculo Lógico Inferencial”, ISBN 978-85-88925-18-2, de minha autoria, que já no prelo, será publicada em breve.

Carlos Magno Corrêa Dias
08/02/2013


Observação: O artigo em questão foi apresentado, anteriormente, em três partes distintas, em http://www.observatorio-ongma-patherblinck.blogspot.com.br, em postagens de 21/12/2012, 04/01/2013 e 16/01/2013, respectivamente. Tal artigo está associado ao tópico 2.1 do Capítulo 2 (Estruturação do Cálculo Proposicional) das edições do livro de minha autoria intitulado “Lógica Matemática: Introdução ao Cálculo Proposicional” (ISBNs: 978-85-88925-15-1; 85-900661-6-9; 85-900661-3-4).