2024/03/11

Prefácio à primeira edição de “Compêndios de matemática e lógica matemática: uma abordagem extemporânea”.


Prefácio à primeira edição de “Compêndios de matemática e lógica matemática: uma abordagem extemporânea”.

Curitiba: Carlos Magno Corrêa Dias, 1998.
ISBN 85-900661-1-8.


Ao percorrer os caminhos da história constata-se, não surpreendentemente, que o homem, ao longo de toda sua existência, sempre se preocupou em “criar” ou “usar”, de alguma forma, a Matemática. É razoável, então, su­por que “a Matemática é indispensável à prática do ser humano”. Evidências deste fato encontram-se disseminadas em diferentes atividades. A Matemática está presente em to­dos os momentos de nossas vidas. E a todo instante, consciente ou in­conscientemente, de forma elementar ou complexa, se “faz” Matemática ao se “utilizar” a Matemática, sendo que a “utilização” da Matemática promove, por sua vez, a “criação” de mais e mais Matemática.

Do pressuposto acima, decorre, portanto, como impor­tante e determinante conseqüência, que a quantidade de material sobre a Matemática atualmente existente é tão grande e a quantidade de interconexões é tão extensa que torna-se praticamente impossível a uma única pessoa (por mais “brilhante” que possa ser) adquirir e desenvolver o conhecimento inserido em todos os diferentes ramos da Matemática. Além do mais, a quem diga, que “todos nós somos (de certa forma) matemáticos” e que (em certa me­dida) “todos somos filósofos da Matemática” quando “usamos” e “fazemos” Matemática.

Porém, como não fosse suficiente o próprio e particular desenvolvimento da Matemática (que deu origem ao espetacular vo­lume de conhecimento acima referenciado), há algum tempo, para o descontentamento de alguns, a Lógica também veio permear os cami­nhos da evolução de uma tal Ciência, tornando o que era impossível a um único homem conhecer uma fonte inesgotável de conhecimento, muito mais abrangente, que promove estudos nas mais diversas direções.

Apesar, entretanto, de muitos pes­quisadores, no mundo inteiro, tentarem responder as inúmeras questões relacio­nadas à Matemática e à Lógica Matemática (bem como, àquelas que estabelecem convergências entre as duas Ciências), cada vez menos respostas definitivas e universais se vão apresentando. Quanto mais profunda é a análise estabelecida sobre os fun­damentos de tais Ciências, estranhamente, mais se retorna à superfície; experimentando-se, por sua vez, um certo desconforto e um sentimento de incapacidade. Parece, contudo, “impossível encontrar o fundamento último” das mesmas.

A Matemática (em particular) permeia cada uma das atividades humanas. Para sobressalto de muitos, a Matemática encon­tra-se infiltrada em todas as Ciências. Mas, como isso é possível? Quais são os objetos que a Matemática trata que lhe permite penetrar nas outras Ciências? Quais são os fundamentos da Matemática? Qual é a significação em Matemática? Qual é o propósito último da Matemática? Em Matemática como são criados os seus elementos? Têm estes elementos uma existência a priori ou a posteriori? Qual é a filosofia da Matemática? Existe, efetivamente, uma única filosofia da Matemática? Quando se faz filosofia em Mate­mática? Existe uma única Mate­mática, ou, em verdade, tem-se várias Matemáticas? Onde começa e termina a Matemática? Os objetos e as estruturas da Matemática têm uma única existência? A Matemática é construção? É intuição? Será apenas formal? É lógica a Matemática? O que garante a independência da Matemática, ou melhor, em que sentido? Que Lógicas podem ser aplicadas à Matemática? A Matemática possui uma única forma lógica? Quem é matemático e quem não o é? Quando se faz Matemática? Por que se faz Matemática? Como é possível abrigar a Matemática Pura e a Matemática Aplicada sob um mesmo teto filosófico?

Mas, por outro lado, o que significa Lógica Matemática? Quando e por que surgiu? A Lógica Matemática tem objeto de estudo? Em que medida a Matemá­tica e a Lógica Matemática podem ser distinguidas? Uma está mergu­lhada na outra e vice-versa? O que remete, propriamente, à Matemá­tica e à Lógica Matemática? A Matemática e a Lógica Matemática poderiam ser apli­cadas ao mundo sensível? Que relações existem entre a Matemática, a Lógica Matemática e as outras ciências? Que importância a Lógica Matemática apresenta para o desenvolvimento da humanidade? O desenvolvimento tecnológico atual seria atingido sem a Lógica Matemática? Quando começa e quando termina a Lógica Matemática? O que dá “matematicidade” à Lógica e o que confere “lógica” à Matemática?

Estas são, pois, apenas algumas das inúmeras questões que poderiam ser levantadas e que, apesar dos constantes e múltiplos esfor­ços (tanto de matemáticos, como de lógicos), ainda não têm respostas definitivas, pelo menos respostas universais e inquestionáveis (respostas finais). Diga-se que algumas das respostas colhidas ao longo do passar dos tempos serviram, em muito, para instituir (simplesmente) escolas particulares (dirigidas por posições unilaterais) sobre os fundamentos da Matemática (e, por sua vez, da Lógica Matemática), as quais ao arregimentar adeptos defensores de uma ou de outra destas tendências promovem a confrontação (não produtiva) e não a universalização de posicionamentos.

Muito embora o conjunto das referidas questões permi­tam abrir um leque ontológico diversificado, não se pretende, neste trabalho, res­ponder ou perspectivar respostas a quaisquer das questões acima ou outras que delas possam ser derivadas. Não se pretende, em particular, nem ao me­nos, discutir ou analisar tais questões e suas consequências no âmbito da evolução tanto da Matemática quanto da Lógica Matemática. O que se objetiva, em verdade, é documentar, a partir da exposição de textos diversos (selecionados por razões internas), algumas ideias particulares relacionadas com parte das questões em pauta, as quais, ressalte-se, fo­ram defendidas (pelo autor) anteriormente em dissertação de mes­trado, em cursos (de atualização, de extensão universitária e de pós-graduação) e em palestras ou sob a forma de artigos publicados em determinadas revistas de divulgação.

O material apresentado não é, contudo, uma defesa de tese inovadora ou revolucionária. O livro, embora contenha alguma discussão sistematizada sobre determinados tópicos selecionados, não pretende ser uma compreensão, mas, antes, uma impressão sobre tais assuntos. Não se trata, em sentido estrito, de um livro de Matemática ou de Lógica Mate­mática (mesmo que em certos capítulos em muito se assemelhe). É um livro que apresenta ponderações sobre determinados tópicos de Matemá­tica e de Lógica Matemática sem a preocupação sistêmica de se seguir uma sequência rígida de exposição ou de encadeamento dos temas tratados. Necessariamente, os assuntos abor­dados não estão concatenados como é corrente apresentar nos livros de Matemática e de Ló­gica Matemática (característicos).

Guiada pela filosofia (ou pelas “filosofias”) e pela substância da Matemática (e, de resto, da Lógica Matemática) a exposição levada a cabo, como o título da obra estabelece, constitui uma apresentação de tópicos compendiados sobre Matemática e Lógica Matemática desen­volvidos sem quaisquer preocupações com o que é próprio do tempo em que sucede ou se faz. São prolegômenos a respeito de certas particularidades sobre a Matemática e a Lógica Matemática, desenvolvidos de forma extemporânea.

Não é um livro de história da Lógica Matemática ou de Filosofia da Matemática; contudo, aborda a evolução histórica da Ló­gica Matemática e expõe as principais concepções filosóficas da Ma­temática. Não é um livro sobre os fundamentos da Matemática, todavia questões relacionadas com tais fundamentos permeiam toda a obra. Não é um estudo sobre as contradições, mas evidencia questões relaci­onadas com Antinomias e Paradoxos semânticos e lógicos. Não é um li­vro sobre a Teoria dos Conjuntos, entretanto, analisa pontos relevantes da Relação de Dominação e de Equipotência entre conjuntos, bem como, os teoremas de Cantor e de Schröder-Bernstein. Não é um livro sobre a verdade formal, entretanto, a ver­dade matemática e a verdade lógica são observadas. Não corresponde ao estudo sistemático do Cálculo Lógico, porém desenvolve, resumi­damente, o Cálculo Sentencial em Lógica Matemática. Não constitui o todo da Teoria da Argumentação e da Análise Inferencial, todavia apresenta e explora algumas das técnicas de avaliação de argumentos dedutivos.

Também, não se trata de uma abordagem sistematizada sobre a Silogística de Aristóteles, mas traz uma introdução à Lógica dos Enunciados Categóricos associados à Lógica de Primeira Ordem. Não é um estudo pormenorizado sobre a meto­dologia do ensino-aprendizagem da Matemática, mas insere as linhas gerais de uma pro­posta metodológica. Não institui o estudo pleno da Matemática de Comutação, entretanto aborda questões relacionadas com a Álgebra de Boole e a Lógica Digital. Não apresenta as bases da Matemática Computacional, porém explora a utilização de Software Algébrico na edição de gráficos ma­temáticos. Não analisa a Teoria dos Números, todavia apresenta uma introdução aos Sistemas de Numeração. É, pois, uma abordagem extemporânea sobre assuntos relacionados com Matemática e Lógica Matemática desenvol­vidos de forma compendiada.

Como já observado, o material deste livro foi extra­ído, em boa parte, de estudos anteriormente publicados e/ou de palestras e cursos ministrados. Porém, a exposição, dos correspondentes trabalhos, que nesta oportunidade se apresenta, é caracterizada por conter pequenas alterações em relação aos originais; alterações estas, observe-se, instituídas mais na forma do que no conteúdo. As modificações processadas, admita-se, também, foram julgadas necessárias para se obter uma melhor adequação à forma de um livro. Entretanto, nas Referências Bi­bliográficas, encontram-se listados alguns dos corres­pondentes trabalhos que serviram de base ao presente estudo.

Embora, em certo sentido, não se teve preocupação al­guma com a sequência de apresentação dos textos que compõem este livro, observe-se que a maioria dos mesmos pode ser lida independentemente uns dos outros sem, contudo, comprometer a devida compreensão. Por outro lado, enfatize-se que o livro é destinado a to­dos que, em certa medida, se interessam por assuntos relacio­nados à Matemática e à Lógica Matemática. Na maior parte dos temas tratados não se faz necessário, por parte do leitor, um profundo conhe­cimento de Matemática e de Lógica Matemática; embora, capítulos existam que exigirão um prévio conhecimento dos assuntos abordados. Parte-se, então, do pressuposto que o leitor deste livro será aquele que, de alguma forma, ou por algum motivo, “usa” ou “faz” Matemática e Lógica Matemá­tica e tem, possivelmente, algum conhecimento em tais Ciências.

Mas, consciente ou inconscientemente, acredita-se que, por um lado, “todos nós somos matemáticos” e que muitos de nós (não todos) so­mos lógicos; e, por outro, de certa forma, que “todos nós somos filósofos da Ma­temática” e da Lógica Matemática quando trabalhamos com os seus respectivos elementos. Muitos, entretanto, de forma ordinária (não profissional), outros (poucos) de forma profissional. Assim, por exemplo, quando inferimos (deduzimos) que “Manoel é mais baixo que Pedro” de “Manoel é mais baixo que Fran­cisco” e “Francisco é mais baixo que Pedro”, estamos fazendo Lógica Matemática (ao nível sentencial). Porém, quando, por exemplo, fazemos um troco, determinamos a área de uma superfície ou calculamos quantos litros de combustível nosso carro consome por quilometro rodado, estamos fazendo Ma­temática.

Quando, entretanto, pensamos que a Matemática se re­duz à Lógica (tentando ingenuamente construir uma Lógica e, então derivar a Matemática) nos aliamos ao Logicismo. Quando, radical­mente, consideramos a Matemática como a Ciência que tem por objeto a construtibilidade, sendo a Matemática a Ciência dos processos construtivos, esta­mos aceitando o Intuicionismo. Pensando, presunçosamente, a Mate­mática como a Ciência cuja única restrição é a inexistência de contradi­ções e que é construída de forma autônoma como um cálculo sem exi­gir interpretação alguma (como um jogo formal), estamos admitindo o Formalismo.

Em quais­quer dos casos acima evidenciados (e em outros tantos) estamos pretendendo (mesmo que, talvez, não saibamos) ser “filósofos da Matemática”. Pois, é, em verdade, de todo impossível “pensar” a Ma­temática sem ter por base uma concepção filosófica sobre a Matemá­tica. Quando se “faz” e “usa” Matemática tem-se subjacente uma concepção filosófica da mesma. É o que a Matemática nos exige. Contudo, quando é que se “pensa” a Matemática? Usando-a? Fa­zendo Matemática?

E, por outro lado, o que se dizer sobre a filosofia da Lógica Matemática? O que distingue um “lógico matemático” de um “lógico não-matemático”? Até que ponto se pode, em sentido estrito, “acreditar” em uma “Lógica Não-Clássica”? Uma “Lógica Não-Clássica” é, efeti­vamente, Lógica ou é uma outra Ciência? A Identidade, a Não-Con­tradição e o Terceiro Excluído alicerçam a Lógica Matemática e a pró­pria Matemática? É possível defender, absolutamente, outra Lógica que não seja a Clássica? Outra Lógica que não dependa, que não tenha sua origem, na Lógica Clássica? Estas questões (e inúmeras outras de­las derivadas) habitam a filosofia da Lógica, levando todo aquele que trabalha com os correspondentes elementos a adotar, necessariamente, uma ou outra posição. É, por sua vez, o preço que a Filosofia nos cobra.

Todavia, quando nos são apresentadas as questões inse­ridas no prólogo deste livro, percebemos, de imediato, com certa in­quietação, que não sabemos como respondê-las, pelo menos de forma definitiva. Qualquer que sejam as respostas, sempre haverá divergência de opiniões; e, até mesmo, as perguntas que lhe deram origem serão alvo de controvérsias. Mais uma vez, então, ressalte-se que este livro não pretende estabelecer critérios para avaliar diferentes “opiniões” ou instituir regras para atacar ou defender os diferentes posicionamentos sobre assuntos relacionados com a Matemática e a Lógica Matemática. Trata-se, em intenção, de uma exposição (em determinado sentido) assistemática sobre a experiência e a “crença” interna de um professor de Matemática que utiliza a Lógica Matemática; onde o correspondente posicionamento não é apre­sentado de forma explícita, mas, certamente, encontra-se inserido nas entre linhas dos respectivos textos.

As ideias disseminadas ao longo desta obra, por certo, agradarão a muitos; contudo, inevitavelmente, outros tantos tenderão a discordar das mesmas. Felizmente. Porquanto, longe de pretender satisfazer com as ideias aqui expostas todos aqueles que tenham acesso ao presente trabalho, deseja-se mais perspectivar o possível questionamento. É necessária a comparação das ideias para se chegar à verdade, mesmo que, em princípio, “a verdade última dos fatos jamais seja atingida”. Mas, por outro lado, talvez, seja por este mesmo motivo que nos é possibilitado “fazer” Ci­ência.

Geral­mente os livros de Matemática ou de Lógica Matemática trazem em seu conjunto a ousada pretensão de “ensinar” as correspondentes teorias. Contudo, como este trabalho (em sua particular concepção) não é um livro de Matemática e de Lógica Matemática (nos moldes do padrão convencionado, no sentido usual), tem-se, ao contrário, simplesmente, a intenção de expor alguns pontos que poderão, por sua vez, motivar o leitor, a seu tempo, tanto a desenvolver algumas reflexões pertinentes, quanto a balizar seu caminho intelectual no sentido de buscar aprofundamentos que julgue necessário ao desenvolvimento de seus respectivos estudos.

Assim, para além de lugares comuns e de posições preconcebidas, espera-se que as páginas a seguir apresentadas possam apontar alguma perspectiva de orientação.

Carlos Magno Corrêa Dias
Curitiba-PR, 01/08/1998